A actual ministra da educação ganhou fama de corajosa reformista junto da comunicação social dita séria, em especial dos fazedores de opinião de pendor neoconservador e neoliberal, para quem tudo quanto mereça a oposição dos sindicatos dos professores só pode ser benéfico para a educação. Aliás o comentário político em Portugal cultiva a superficialidade estética, olhando mais para o estilo da intervenção e para as reacções que provoca do que para a substância, para os fundamentos e finalidades, para os quês e os porquês.
Não há como negar a necessidade de reformas. A escola tem que se organizar melhor para funcionar melhor, para enfrentar as dificuldades do insucesso educativo, para se adaptar e responder às transformações da sociedade, com os seus novos problemas e desafios.
É fácil dizer que as mudanças custam; as pessoas, os professores em especial, são resistentes às mudanças; as corporações colocam os seus interesses particulares acima do bem comum, dos interesses superiores da sociedade; as organizações, como as escolas, padecem de uma inércia endémica e duma capacidade de arruinar, subverter, ou dissipar todo o intento reformista. Apesar de tudo isso, se nos fosse dado ver em filme o quotidiano das crianças, dos jovens e das escolas de há 100 anos, de há 50 anos, de há 30, ou de há 10 anos atrás a funcionar nos diferentes espaços, salas de aula, biblioteca, ginásio, cantina, recreios, etc, por certo nos aperceberíamos de que muita coisa mudou, e de que em muitos aspectos mudou radicalmente.
Porém, nos nossos dias, mudar transformou-se magicamente num valor próprio, independentemente do sentido da mudança, dos seus pressupostos, fundamentos e finalidades. As propostas de mudança são proclamadas em nome da qualidade e qualificação, da eficiência e sucesso educativo, do profissionalismo, profissionalização e profissionalidade, da responsabilidade, do accountability, da autonomia, iniciativa, criatividade, do trabalho em equipa e de outros meritórios desígnios.
O primeiro paradoxo é que os conservadores por tradição avessos à mudança, defensores da tradição, apresentam-se hoje na linha da frente da mudança, batendo-se por uma nova ordem social, que passa em grande medida pela desacreditação da escola pública em favor de educação privada, subvencionada pelo estado, e de preferência tutelada por instituições ligadas à igreja. A ministra tem dado uma grande ajuda através de declarações de apoucamento das escolas e dos professores.
O segundo paradoxo diz respeito às declarações de amor e juras à prioridade da educação, à aposta na qualidade ao mesmo tempo que se reduz o orçamento da educação e das escolas, muito em especial no que diz respeito à remuneração dos professores, ao congelamento de carreiras, à precarização da contratação docente.
O terceiro paradoxo tem a ver com a proclamação da profissionalidade docente em contraste absoluto com a diminuição do espaço de decisão autónoma e de iniciativa dos professores, com a descaracterização da função docente, nomeadamente com aulas de substituição destituídas de propósito pedagógico, com a excessiva carga burocrática que se impõe aos professores, reuniões, planos, relatórios que servem mais as exigências de uma burocracia formal do que necessidades educativas. Há hoje zelosos conselhos executivos que inventam tarefas para que os professores nunca estejam desocupados quando não têm aulas; o trabalho de equipa é burocratizado, os projectos interdisciplinares são sujeitos a horários prefixados; hoje há sinais evidentes de um processo de desprofissionalização que começou com a subcontratação de mão-de obra barata para leccionar inglês e educação física no primeiro ciclo e com a introdução dos contratos individuais de trabalho.
Para além destes, outros paradoxos e mistificações existem, a maior das quais é aquela que em nome da racionalidade económica, da gestão eficiente dos recursos, quer fazer das pessoas peças programáveis, reprogramáveis e descartáveis, para usar e deitar fora, ao serviço dos superiores interesses da sacrossanta economia e da competitividade global.
Amândio Graça