setembro 23, 2006

EF e AFD no 1.º CEB

O professor Rui Neves, que já tivemos o prazer de ter como visitante deste blog, escreveu para a revista Horizonte de EF e Desporto (que todos nós na EF assinamos), um artigo sobre as Actividades Físicas e Desportivas que são incluídas nas chamadas Actividades de Enriquecimento Curricular do 1.º ciclo do ensino básico. É um artigo a ler por todos nós colegas de EF, assim como os artigos que o mesmo autor escreveu para a revista A Página da Educação e que qualquer um pode procurar e ler online.
Concordo com quase tudo o que o autor refere nos seus artigos. Apenas vou fazer alguns comentários que penso acrescentarem alguma coisa:
-é preciso esclarecer o conceito de actividade Desportiva para alunos do 1.º Ciclo. Não creio que muitas das práticas actualmente existentes no seio da EF ou de complementos curriculares se possam chamar educativas, o que desmerece a preparação científica, pedagógica e humana de alguns dos seus "dadores". Penso que o professor Rui Neves conhece e se preocupa por esta situação;
-na recente definição, pelo Ministério da Educação, dos mínimos horários para o estudo do Português, da Matemática e do Estudo do Meio, ficou de fora, sem horário determinado, a EF. Se isto não é desvalorização...
-certos caminhos recentes de exploração de mão-de-obra barata (a 5/6 euros à hora, a recibo verde, por certas câmaras municipais merecem o nosso mais vivo repúdio).
Acho pertinentíssima a auto-responsabilização que o professor Rui Neves faz das escolas, dos agrupamentos e dos seus professores de EF em particular, no enquadramento destas actividades, e o repúdio, se não interpreto mal, de formas "valetudistas" de procura externa de enquadramentos, quantas vezes subordinadas a interesses comerciais, assim como da desresponsabilização das escolas e dos seus professores por este tipo de actividades. Assim tenham, os professores, condições apropriadas e responsabilidades para as exercer.

7 comentários:

Miguel Pinto disse...

Acrescento alguns dados ao texto do Henrique. Uma colega do primeiro ciclo relembrava no seu blogue o seguinte, e passo a citar:
“[…] Língua Portuguesa - 8 horas
Matemática - 7 horas
Estudo do Meio - 5 horas
O resto do tempo fica ao critério do professor e pode até servir para reforçar estas disciplinas!!

Ficamos então com 2 horas e 30 minutos (apesar de em alguns documentos aparecerem 5 horas, porque se esqueceram que as crianças têm - pelo menos por enquanto - direito a 30 minutos de recreio por dia) para as seguintes disciplinas:

Expressão Plástica
Expressão Dramática
Expressão Físico-Motora
Expressão Musical
Formação Cívica
Área de Projecto
TIC

Feitas as contas dá cerca de 20 minutos para cada uma destas disciplinas...
Um tempão!” diz, e bem, a colega.

Não restam dúvidas que os professores do 1º ciclo encontraram a legitimidade que lhes faltava para evitar as expressões físco-motoras. Quanto às actividades de complemento curricular, onde é possível encontrar as actividades desportivas, fui alertado por um colega que trabalha num município da minha zona de residência que o ME não viabilizou a continuidade do projecto do ano transacto [no âmbito desse projecto, o transporte dos alunos até ao pavilhão municipal era assegurado pelo município e as aulas eram leccionadas por licenciados em EF] e, de forma compulsiva, o ME exige que as aulas no corrente ano lectivo sejam leccionadas nas escolas do 1º ciclo sem, no entanto, terem sido asseguradas as condições [dos espaços e materiais] para a prática de actividades físicas desportivas.

Maria Lisboa disse...

Ainda não tinha comentado porque estava a tentar saber, no concreto, qual a situação da expressão motora nas escolas do meu agrupamento. Como o "chefe" está fora (num dos projectos europeus que temos) não consegui saber quais as directivas existentes. Mais tarde informarei... no entanto, tenho a vaga ideia de que no próximo CP vou ter que me aborrecer!

A srª ministra mais uma vez demonstrou a sua ignorância no que se refere à educação... mas quanto a isso já estamos habituados!

A expressão física-motora pressupõe uma alfabetização motora, e só nos 4º/5º anos se deveria passar "a fazer leitura de texto", isto é a aplicar, o “b a ba” apreendido, nas diferentes modalidades pré-desportivas e desportivas, com todas as características a elas inerentes. Não teria nada contra, se as AFD continuassem a ser acompanhadas da disciplina curricular. No entanto, o que me parece é que nas escolas onde existam AFDs, e atendendo ao diminuto nº de horas que sobraram para aquelas 7 áreas, a expressão motora será posta de lado. Acresce o facto de estas actividades serem de frequência facultativa… assim, quem não as frequentar, não terá nenhuma espécie de actividade física!
Não sei que tipo de actividades serão feitas nestas AFDs (na minha zona, as autarquias não quiseram assumi-las, por isso a “obra foi adjudicada” à Federação de Ginástica … noutras zonas pode ter sido a uma outra qualquer entidade!), mas em muitos casos vão acontecer coisas do tipo “ensinar derivadas a quem não sabe aritmética”, ou “ensinar Lusíadas a quem não sabe ler”.

O Desporto Escolar, que de há 2/3 anos tinha assumido uma certa dinamização interna das escolas do 1º ciclo, viu essas horas cortadas. Por exemplo, no meu agrupamento, os professores do 1º ciclo davam as suas aulas escolhámos uma actividade por período e depois de trabalhada pelos professores, organizávamos concursos, estafetas, corridas, dia dos jogos tradicionais, torneio de bola ao capitão, etc. No ano passado fizemos, no 1º período, o corta-mato (corta-matinho, claro! – onde até os putos do pré participaram!), no 2º período jogos tradicionais e no 3º período, o mundial de futebol, em que cada turma representava um dos países do mundial, país sobre o qual fizeram um trabalho de investigação. Houve cerimónia de abertura com desfile e tudo. :) Todo este trabalho tinha como objectivo, para além da prática física e aplicação do adquirido, o conhecimento inter-turmas, o conhecimento da “escola mãe”, a aprendizagem de algumas regras de convívio enquanto competidores, a aprendizagem de regras de uma escola para onde irão todos, o conhecimento de professores que irão ser os deles, etc.

Este ano não vai haver nada!!! A milu acabou com tudo! Estamos a poupar!!!!

No Barreiro devido ao seu historial no âmbito do basquetebol, e devido ao empenho de um grupo de colegas, o DE tinha implementado uma série de escolinhas desta modalidade, (em complemento da expressão física-motora, claro). Estas escolinhas dinamizavam quase todas as crianças de 3º e 4º anos do concelho. Almada estava já a seguir-lhe os passos.

Este ano, a ME acabou com tudo!!!! (sem comentários!!!)

E como nos custou o conseguir o reconhecimento da expressão físico-motora como área de direito!
E como nos custou que esta área fosse implementada de facto!

E agora que tínhamos dado essa conquista como adquirida, veio “uma burra e comeu-a”!!!

Maria Lisboa disse...

Encontrei isto:

http://www.educacao.te.pt/images/programas/pdf/programa175.pdf

que já vem mencionado em:

http://www.dgidc.min-edu.pt/ingles/Orient_prog_actividade_fisica_desportiva.pdf

Unknown disse...

Como contributo para este debate desejo salientar algumas questões:

1. O ME DISPONIBILIZOU ON-LINE, NO SEU SITE OFICIAL, UM DOCUMENTO DE ORIENTAÇÃO PARAS AS ACTIVIDADES FÍSICAS E DESPORTIVAS AFD) da responsabilidade institucional da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP)!!!!!!!!! Obviamente que somos partidários da descentralização de competências na área da Educação e do Desporto, mas daí a ser a ANMP a responsável pela concepção e orientação de actividades educativas na escola do 1º CEB, vai quanto a nós (modestamente) uma enorme distância. É imperioso que os Agrupamentos, as Escolas, os Coordenadores das Escolas e os Professores não se demitam das suas responsabilidades de decisão curricular, acerca daquilo que em cada contexto pode favorecer o desenvolvimento e aprendizagem dos seus alunos. A construção curricular (mesmo das Actividades de Enriquecimento Curricular) tem de manter a Escola do 1º CEB como epicentro de projectos, planos e actividades. Se assim não for, o futuro se encarregará de nos mostrar o caminho das lógicas de "oportunidade de negócio", "lógica de mercado", "respostas do mercado" e das "criatividades concorrenciais" que caracterizam os ventos do neoliberalismo selvagem.


* Apesar de o nosso nome constar da bibliografia aconselhada nesse documento, discordamos em absoluto dele conceptual, orgânica e politicamente.

2. O ME FEZ TÁBUA RASA DO PASSADO DE PRÁTICAS DE ACTIVIDADES EXTRA-CURRICULARES DAS ESCOLAS DO 1º CEB. Este despacho enviando responsabilidades de liderança para as Autarquias Locais, branqueou e esqueceu tudo o que de bom e interessante vinha sendo feito em muitas escolas, Agrupamentos e Concelhos. Há quanto a nós, uma lógica de formatação nacional (prescrevendo o que cada Escola deve fazer) que impede que os professores, as Escolas e os Agrupamentos sejam actores que decidem em função da realidade local e não daquilo que na 5 de Outubro alguém pensa que deve ser. Entendemos que seria um acto de boas práticas políticas e de gestão aproveitar o que já se faz de bom, reformular numas escolas, criar noutras, afectar mais recursos noutras, envolver mais actores sociais noutras, etc.

3. AS DINÂMICAS LOCAIS DE ENVOLVIMENTO NAS AEC TÊM QUE ESMAGAR AS LÓGICAS CENTRALISTAS E AS LÓGICAS DE NEGÓCIO.
Julgamos que será inevitável que as AEC que surgem este ano "formatadas" em fatias de actividades que se acrescentam ao horário dos alunos do 1º CEB, caminhem para um aprofundamento/refundação numa lógica de PROJECTO que se estruture num amplo envolvimento da sociedade civil local. Esse envolvimento, tem de nascer de parcerias que rentabilizem saberes e recursos específicos de cada associação, colectividades, clube ou outra. O envolvimento de um clube de Ténis num projecto faz todo o sentido, quando disponibiliza para o projecto as suas instalações, os seus professores, a sua cultura organizacional, as suas práticas e as suas próprias dinâmicas de fomento de uma prática desportiva.
SAbemos que as "lógicas de negócio" (mais fortes nos meios urbanos) são muito fortes neste momento. Mas perguntamos. São essas que garantem sustentabilidade aos projectos? São essas que desafiam a participação de outros actores sociais (como os pais)? São essas que permitem efectuar sinergias de recursos humanos nas associações, clubes e colectividades que dedicam a sua razão de ser às AFD?

Ficamo-nos por aqui, tendo consciência que muito poderá ser dito e concerteza (esperamos) muito debate e discussão merece este tema. Porque a prática formal e informal das AFD pelas crianças das nossas escolas assim o exige.

Maria Lisboa disse...

Quanto ao negócio já não há dúvidas... já está completamente instalado: estão a pagar entre 6 a 10€/hora, alguns muito poucos a 12€ (apesar da ME dizer que as verbas disponibilizadas compreendiam o pagamento de 15€/hora, já no ano passado a maioria dos profs, que deram inglês, receberam a 8€/hora). Apesar dos anúncios das autarquias pedirem profs licenciados de EF, não sei se as actividades serão mesmo dadas por profs... tanto que nem todas as autarquias as assumiram, sendo por isso outras entidades a dá-las.

«« disse...

Dificilmente se consegue acrescentar algo de novo quando se chega tarde, ainda se torna pior quando a qualidade do texto e dos comentários atingem esta bitola qualitativa contudo:

- parece-me que o menosprezo, por parte da tutela, evidente pela EF tanto ao nível do 2º, 3º e Sec., como a nível ECM no 1º ciclo é o mesmo que o demonstrado pela educação em geral. Por outras palavras a tutela não se preocupa com a educação mas sim com a instrução. A esse nível (de entendimento da causa) o ME ao compartimentar o desporto pelos diversos níveis de ensino, reduz a EF a uma única vertente à qual chamo “desporto-matéria”, esquecendo o desenvolvimento integral do jovem e contributo que esta ferramenta pode ter. Esta vertente facilita a simplificação do processo, fazendo com que seja “acessível” a Associação Nacional de Municípios delinear metas e definir objectivos para o 1º ciclo do ensino básico;

- por outro lado, acho que temos o que merecemos porque o tal sentido do “valetudo” tomou conta da maior parte de nós fazendo que, em alguns casos por uma questão de sobrevivência, a nossa conduta contribua para facultar argumentos aos tecnocratas que mandam no país, neste caso concreto aos municípios. Aliás quem não tiver memória curta lembrar-se-á do tempo em que as Câmaras andavam a bater porta em porta das federações e associações desportistas para “caçar” eventos desportivos para pavilhões que estavam às moscas e muito mal planeados de raiz.

Por tudo isto e muito mais acredito que esta questão mais do que ser da EF é da escola. So quando esta conseguir voltar a sobrepor os objectivos da educação, sob ponto de vista abrangente, aos da instrução é que se conseguirá situar na trajectória que mais serve os jovens. Para tal é fundamental vencer um populismo que se está gerando numa sociedade cada vez mais parecida com a americana, no pior que esta tem, ao nível da ignorância popular.

Maria Lisboa disse...

Na escola, na 6ª feira passada, disseram-me:
- "Ganhaste!!!"

Referiam-se ao facto de todas as turmas do 1º ciclo irem ter 1 tempo de expressão físico-motora.

Fiquei contente, até porque é menos um assunto para me desgastar em discussões... sobram-nos tantos que o resolver de um é uma "benção"!

Sei que 1 tempo não é o ideal ... mas também sei que, com a carga que lhes foi imposta, não lhes posso exigir mais... o que sobrou era muito pouco.