outubro 30, 2006

ADE

Agarrando na frase com que o Miguel terminou o seu texto sobre o Desporto Escolar, concluindo que “o calendário político anda cada vez mais desfasado da realidade escolar!”, passo para outra proposta daquele documento, que revela um humor nonsense altamente corrosivo.

Diz o documento “Os CDE ou outras estruturas desenvolvidas em cada Escola e Agrupamento de Escolas em função do projecto educativo e das respectivas condições, são também instrumentos privilegiados para a competição externa, que pode decorrer, preferencialmente, através das Associações Desportivas Escolares (ADE) constituídas por iniciativa das próprias escolas e dos profissionais afectos ao Desporto Escolar.”

Na reunião em que estive, a insistência neste aspecto foi clara: deve ser promovido o incremento das iniciativas da competição externa organizada pelas Escolas e pelas suas ADE. A visão para o futuro, de Luís Capucha, Director Geral da DGIDC, prevê que a base da actividade interna e externa, incluindo os quadros competitivos, seja da iniciativa das escolas, trabalhando em rede, desempenhando as estruturas do ME funções de coordenação e apoio, acompanhamento e organização subsidiária dos quadros competitivos, proporcionando apoios, não em função de padrões uniformes decorrentes de uma estrutura hierarquizada, mas em função do mérito dos projectos de candidatura.
Nestes apoios, estes senhores englobam tudo o que chamam recursos… e nos recursos eles abarcam, não apenas as verbas necessárias à implementação do projecto da escola, mas também os créditos horários necessários para se ter os professores suficientes a essa implementação.

Esta panóplia de condições interligadas parece-me um bom princípio do fim do Desporto Escolar. Quantas escolas têm Associação de Estudantes (será para pôr em prática aquela bela lei sobre o associativismo, promulgada este ano?!) com capacidade de mobilização e organização para dinamizar o quadro competitivo? Quantos estudantes estão, actualmente, dispostos a tudo o que isto implica? Quantas escolas têm capacidade para estabelecer um quadro competitivo entre si? Quantas escolas, perto umas das outras desenvolvem as mesmas modalidades? Estas e outras perguntas suscitam-me muitas dúvidas quanto à concretização da visão do futuro de Luís Capucha.

Entretanto, no meu Concelho, promovemos uma reunião de coordenadores de departamento, de desporto escolar e concelhos executivos das escolas. São 18 e estiveram representantes de 16. Nessa reunião foi proposto que, para colmatar o prejuízo que possa advir daquela proposta do ME, nos constituíssemos em Associação Desportiva de Escolas, tentando gerir entre todas, a organização de uma futura actividade externa dentro dos parâmetros previstos no programa de DE. Na reunião, esteve também um representante da Autarquia, a quem foi perguntado que contribuição poderia dar se avançassemos com um projecto deste tipo.

Que vos parece este caminho?

outubro 29, 2006

"O OUTRO JOGO"

I

Diz ele que não sei ler
Isso que tem? Cá na aldeia
Não se arranjam dúzia e meia
Que saibam ler e escrever.

II

P'ra escolas não há bairrismo.
Não há amor nem dinheiro.
Porquê? Porque estão primeiro
O Futebol e o Ciclismo!

III

Desporto e pedagogia
Se os juntassem como irmãos,
Esse conjunto daria,
Verdadeiros cidadãos!
Assim, sem darem as mãos.
O que um faz, outro atrofia.

IV

Da educação desportiva,
Que nos prepara p'ra vida,
Fizeram luta renhida
Sem nada de educativa.

V

E o povo, espectador em altos gritos,
Provoca, gesticula, a direito e a torto,
Crendo assim defender seus favoritos
Sem lhe importar saber o que é desporto.

VI

Interessa é ganhar de qualquer maneira.
Enquanto em campo, o dever se atropela,
Faz-se outro jogo lá na bilheteira,
Que enche os bolsinhos aos que vivem dela.

VII

Convém manter o Zé bem distraído
Enquanto ele se entrega à diversão,
Não pode ver por quantos é comido
E nem se importa que o comam, ou não.

VIII

E assim os ratos vão roendo o queijo
E o Zé, sem ver que é palerma, que é bruto,
De vez em quando solta o seu bocejo,
Sem ter p'ra ceia nem pão, nem conduto.

In Inéditos, Loulé
António Aleixo

outubro 23, 2006

O Bluff

O governo anunciou uma mudança no desporto escolar. O secretário de estado prometeu um maior investimento e ousou afirmar que agora o desporto escolar passará a afazer parte dos projectos de escola. Em Julho, no lançamento do ano lectivo e antes das férias, os departamentos de educação física receberam as informações dos conselhos executivos que derivavam das regras definidas pelo Despacho nº 13599/2006 de 28 de Junho [distribuição dos créditos horários].

A escola abriu as portas em Setembro e instalou-se a confusão. Sem programa e sem informações claras, o desporto escolar paralisou em muitas escolas do país.

No início de Outubro apareceram os programas mas persistem as ambiguidades.
“[…] As candidaturas ao Programa (expressas nas fichas de candidatura anexas) são realizadas em duas fases. A primeira tem como objecto a Medida 1 (actividade interna) e as candidaturas foram apresentadas, junto das DRE pelos Estabelecimentos de Ensino até ao dia 16 de Outubro.

A Fase 2 de candidaturas, a decorrer em período a anunciar, contemplará as candidaturas à Medida 2 (actividade externa) e novas actividades a integrar na Medida 1 com vista ao total aproveitamento dos recursos disponíveis.

As candidaturas a cada uma das medidas são apreciadas pelas DRE e negociadas caso a caso com os estabelecimentos de ensino, após o que serão submetidas a aprovação por parte da Comissão de Acompanhamento do PDE06/07.” In: Programa do Desporto Escolar
Enquanto decorre o processo de apreciação das candidaturas, os professores envolvidos nos projectos do desporto escolar são desviados e engrossam a lista dos professores disponíveis para as substituições. E a confusão persiste.

É verdade que muitos conselhos executivos ajudaram à festa. Por falta de audácia ou receio do “fantasma” da inspecção, não souberam aproveitar uma brecha no programa, que passo a citar: “Sempre que os estabelecimentos e ensino reúnam as condições necessárias, as actividades e as modalidades propostas devem ter início a partir do primeiro dia de aulas, devendo, pelos mais diversos meios (ordem de serviço interna, informação às turmas, cartazes, etc.), ser feita uma alargada divulgação das actividades e horários de funcionamento.

A tutela não fez o trabalho de casa. Fez um bluff. E a meu ver, a reforma do desporto escolar acaba por ser inevitável e urgente, mas não pelas razões invocadas pelo governo. Os motivos de ordem conceptual deveriam ter colocado as razões de natureza economicista em 2º plano. Mas não foi isso que aconteceu. Exigia-se um desporto escolar verdadeiramente inclusivo sem equívocos e ambiguidades organizacionais, mas a opção recaiu na manutenção do sistema piramidal iníquo. Apesar de se evocar a actividade interna como a bandeira do DE, esta nova versão continua a privilegiar a actividade externa. E não precisamos de grande acuidade analítica para confirmar esta tese. Basta observar a redução horária dos professores com actividade externa e interna para percebermos o que é verdadeiramente importante para o ME.

Cada vez mais me convenço: o calendário político anda cada vez mais desfasado da realidade escolar!

outubro 17, 2006

Representação profissional…

“O tema de investigação do conhecimento pedagógico do conteúdo procura repor uma perspectiva integral do triângulo didáctico (professor, aluno, matéria) na investigação do ensino, tentando reequilibrar e assegurar a atenção sobre a interacção dos três lados do triângulo.” (Amândio Graça, 2001)(1)
Esta citação do professor, colega e amigo [atrevo-me a referenciá-lo deste modo] Amândio Graça, foi retirada de uma obra que compilou trabalhos apresentados no 1º Congresso Internacional de Ciências do Desporto, organizado pela FCDEF. O conhecimento pedagógico do conteúdo: o entendimento entre a pedagogia e a matéria é um estudo que se enquadra numa linha de investigação didáctica que toma como critério de referência o professor.

Ao evocar este trabalho, sacrificando-o a este pequeno excerto, não quis [porque isso pode ser feito, e com toda a propriedade, pelo autor ;)] destacar os principais resultados e o alcance que se registaram [ou não] nos programas de formação de professores de Educação Física. Ao evocar este trabalho quis mexer num aspecto que tem sido negligenciado pelos professores de educação física, na escola situada [e que a investigação se encarregará de refutar ou confirmar]:
No reportório de “conhecimentos” que devem ser adquiridos e reformulados ao longo da vida profissional do professor, o conhecimento do contexto ocupa um lugar central porque é aí que a aplicação dos restantes conhecimentos adquirem sentido. O conhecimento do contexto [dos alunos, da comunidade, do sistema educativo, da escola] exige do professor uma vigilância constante sobre tudo e todos os que o rodeiam. Regressando novamente ao excerto, não é possível a um professor, de educação física ou de outra disciplina qualquer, desenvolver com proficiência o seu trabalho sem participar, agindo sobre os contextos de prática. Ora, estamos num momento de viragem em que a discussão do ECD apela a um “novo” professor. Será admissível que alguém se possa dar ao luxo de desligar o seu sistema de vigilância e passar ao lado desta alteração contextual sem bulir na sua capacidade profissional?

(1) Graça, A. (2001). Educação Física e Desporto na Escola - Novos desafios e diferentes soluções. Porto. Paula Botelho Gomes e Amândio Graça Editores - FCDEF.

outubro 08, 2006

provocando...

(...) Vamos começar educando nossas crianças para uma convivência pacífica num mundo cheio de evasão provocada pela ânsia de atingir os objectivos da riqueza de maneira acelerada num curto espaço de tempo. Vamos educar as pessoas para que o corpo físico, esse instrumento da existência, seja preservado de maneira saudável, aproveitando-se de todas as fases, inclusive ingerindo bons alimentos para viver bem (...) in Amazónia – entre o esporte e a cultura de Jurema e Garcia pp.170

O livro donde tirei este pequeno enxerto deu a machadada final num conceito de Educação Física que há muito vinha abandonando. Não que o livro defenda o mesmo que eu (não ouso afirmar tal coisa), mas porque enquadra, mesmo que inocentemente, o que há muito tempo que vinha perguntando a mim mesmo porque razão insistia para que todas as raparigas jogassem futebol, quando algumas delas pura e simplesmente odiavam, ou porque insistia com os rapazes que não queriam fazer dança que o fizessem.


Sendo um dos objectivos da disciplina, criar hábitos de actividade física que perdurem ao longo da vida a minha forma de agir, no mínimo era patética. Mesmo que fosse para combater o preconceito existente acerca da ideia (errada)de que o futebol é para “gajos” e a dança para senhoras. Até porque, não me parece uma forma rentável de combater preconceitos, obrigar os jovens a participar em actividades quando estas geram esse tipo de sentimentos (imaginem obrigar os cidadãos que têm preconceitos acerca da homossexualidade a terem relações homossexuais!!!).



Desde há uns anos para cá libertei-me dos preconceitos da minha formação inicial e tento sempre mudar mentalidades através do diálogo e de uma preparação cuidadosa das minhas aulas de forma a desenvolver uma mentalidade livre de amarras sociais.

outubro 02, 2006

"O REI DE ÍTACA"

"A civilização em que estamos é tão errada que
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei de Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado"

Sophia de Mello Breyner Andresen
In O Nome das Coisas, Caminho