dezembro 10, 2006

contributo para a reflexão

Desde que me conheço como professor que acho o currículo de Educação Física fantástico, já que dá para fazer tudo e, para não fazer nada. Partamos de dois exemplos, um professor tradicional e um outro que chamarei do professor d’hoje:

a) O professor Tradicional - Tem 36 semanas de aulas, que geralmente acabam por ser 32, multiplicando por 3 segmentos de 45 minutos (para o básico) dá 108, dos quais tem que retirar cerca de 7 a 8 aulas para apresentação, auto-avaliação e testes, ficando em 101 segmentos. Este colega divide pelas seis modalidades tradicionais (Basquetebol, Voleibol, Andebol, Futebol, Ginástica e Atletismo) dá cerca de 16, 8 segmentos de quarenta e cinco minutos. Trata-se de um professor que apesar de tradicional é metódico, honesto e competente na forma de abordar as suas aulas, tem várias estratégias de abordagem de temas para rentabilizar as suas aulas. Dá conteúdos comuns às modalidades em aulas comuns. Documentou-se na didáctica dos Jogos Desportivos Colectivos e conseguiu encontrar um meio termo entre o movimento do antigo FCDEF e o defendido a Sul, pela FMH com a Sistemática das Actividades Desportivas. Enfim o professor tradicional mesmo utilizando todas essas estratégias tem várias questões a colocar:

1º Como deve fazer a sequência do ensino das modalidades, uma vez que nem todos os conteúdos são comuns?

2º No final de cada modalidade o que é que o aluno aprendeu e como fará para que essa aprendizagem seja douradora ou, no mínimo, que aguente até ao próximo ano lectivo em condições de iniciar uma nova “Unidade Didáctica de Continuação de Conteúdos” (quando pensa no caso da Ginástica Desportiva deita as mãos à cabeça);

3º Onde colocar todos os outros conteúdos que devem ser abordados, nomeadamente os que vêm na pagina do currículo e que tem a ver com as questões dos hábitos de higiene, educação para a saúde e outros, tais como o fair-play, o doping…

PERGUNTA FINAL: Será que este tipo abordagem promove o objectivo máximo consignado em programa que é: contribuir para que os alunos ganhem hábitos de exercício físico que perdurem ao longo da vida?

b) O “professor d’hoje” parte de um princípio básico de que os jovens querem actividades diferentes, sejam elas de interior ou de ar livre e com as mesmas 101 aulas adiciona as seguintes modalidades: patinagem, dança, jogos tradicionais, desportos de montanha e orientação, e ainda tenta levar os jovens à natação, mas a Câmara não arranja transportes e a Ministra não quer que a escola gaste dinheiro com coisas dessas. A este professor “d’hoje” algumas questões se lhe colocam:

1º Como não quer deixar de abordar as modalidades tradicionais ao juntá-las todas e dividir pelos 101 segmentos dá-se conta que fica com cerca de 10 para cada modalidade, que conteúdos seleccionar em cada uma?
2º Depois de seleccionados os conteúdos que estratégias abordar para rentabilizar as aulas?
3º Que objectivos seleccionar no sentido de serem realistas e coerentes com um planeamento?
4º No final do ano o que é que os alunos aprenderam? E o que aprenderam de forma consistente ao ponto de, após o longo período que estiverem sem fazer uma das dez actividades, estar capaz de dar um passo em frente no sentido de progredir nessa mesma modalidade?
PERGUNTA FINAL: Será que este tipo abordagem promove o objectivo máximo consignado em programa que é: contribuir para que os alunos ganhem hábitos de exercício físico que perdurem ao longo da vida?


As perguntas finais são as mesmas, muitas outras ficam por fazer, esta reflexão é fundamental para que se entenda um currículo que efectivamente serve para fazer tudo e para não fazer nada, vai daí o achar fantástico. Levo dezassete anos de aulas e de leituras, onde tento me actualizar e estar ao corrente das estratégias mais recentes, levaram-me a sentir a necessidade de adequar ao currículo à disciplina e a disciplina aos reais interesses de formação dos alunos.

NOTA: e não coloquei a questão naquele jovem que, tal como eu, quando entrou para o 2º ciclo já queria ser “professor de ginástica”….como se concilia o interesse dos que querem “correr para a licenciatura nesta área” quando numas Universidades os pré-requisitos são quase o que se pede aos atletas de média competição e noutras pouco valor se dá a esses em detrimento de um grupo de saberes ao nível mais teórico-conceptual?

7 comentários:

Miguel Pinto disse...

As aulas de Educação Física devem permitir ao aluno adquirir um repertório de acções que encerre aspectos técnico-motor, interpessoal e cognitivo-reflexivo. E sem aprender a executar determinadas habilidades com qualidade razoável não é possível imergir na cultura motora.
O tempo é um elemento determinante na aprendizagem… e como a vida se faz de opções há que decidir se queremos ou não aulas de qualidade.

«« disse...

Pois é meu caro amigo, é mesmo isso, a questão que se coloca é que repertório técnico-motor? Os das modalidades a abordar, ou os outros, tais como exercícios critérios de habilidades motoras que sem estarem associados a uma determinado skill de uma qualquer modalidade, desenvolve os aspectos motores tidos como fundamentais. Quanto aos aspectos cognitivo-reflexivos isso de acordo e não nos coloca grandes questões, a não ser no caso do professor que tanto parte as habilidades específicas da modalidade “x” se esquece de ajudar o aluno a entender o jogo subjacente à modalidade.

O tempo é uma questão fundamental para a aprendizagem como para a consolidação (claro que não preciso te lembrar os princípios do treino). Apesar dos 17 anos que ando a malhar nesta coisa, tomo sempre decisões sem ficar 100% seguro acerca das opções tomadas, sabes porquê. Pela simples razão que acredito não estar esgotado o debate acerca da utilidade da Educação Física.

Um abraço

Anónimo disse...

Sou um leitor, por vezes assíduo, do vosso blogge. No entanto confesso que começo a ficar um pouco desiludido com aquilo que é referido por alguns dos habituais “comentadores”. É muito termo técnico (cada um a usar termos que nada têm a ver com a prática que é a EDUCAÇÃO FÍSICA – E que ponho em dúvida se sabem o que estão a dizer “aspectos técnico-motor, interpessoal e cognitivo-reflexivo” “cultura motora” “skill”mas o que é que isso contribui para que os alunos adquiram hábitos regulares de actividade física. Meus senhores já alguma vez leram Go Tani ou Bernstein. Tentem ler e estudar um pouco aquilo que eles nos transmitem, para depois pensarem um pouco antes de dizerem aquilo que dizem. Temos que ser práticos meus senhores, o desenvolvimento das habilidades motoras básicas são fundamentais para que os nossos alunos consigam chegar onde queremos.

Sou professor de Educação Física numa escola do Minho há 19 anos e formei-me na FCDEF.

Sejam práticos meus senhores, falem daquilo que realmente interessa à Educação Física.

Miguel Pinto disse...

Caro colega anónimo
Apresso-me a esclarecer o que disse antes que se vá embora afugentado pelo uso de tanto palavrão. Ainda bem que o consegui provocar a ponto de nos deixar o seu ponto de vista. Só por isso valeu a pena. Mas vamos ao que interessa. Em primeiro lugar há que clarificar: No primeiro parágrafo quis situar-me. Disse que perfilho uma perspectiva antropológica de Educação Física que procura conciliar o desenvolvimento de várias dimensões do aluno. Usando uma linguagem mais terra-a-terra [heróis do mar ;)] não sou adepto de uma focalização excessiva no desenvolvimento das capacidades físicas dos alunos e não me agrada a orientação das aulas cuja incidência se centre apenas na optimização das habilidades. Disse ainda, ou melhor, quis dizer, na segunda frase do primeiro parágrafo, uma verdade la paliciana: que esta perspectiva antropológica não renega a aprendizagem de habilidades motoras porque fazem parte da nossa herança de cultura desportiva.
No segundo parágrafo procurei reforçar a ideia central do texto do Miguel Sousa: A exiguidade do tempo obriga-nos a tomar uma de duas decisões: ou propomos aos alunos o manancial de modalidades desportivas previstas no programa aligeirando nos conteúdos ou reduzimos o número de modalidades desportivas a abordar nas aulas permitindo a consolidação de eventuais aquisições. Se tiver de optar entre estas duas opções inclino-me, naturalmente, para a segunda.
Quanto à questão da utilidade da Educação Física, caro Miguel, não percebi onde queres chegar. Será que o argumento da EF ser a única disciplina que trata a corporalidade na escola é suficiente?

«« disse...

Caro Colega Anónimo, começo por lhe confessar que tenho dificuldade em lidar com pessoas anónimas, mesmo sendo meus colegas e com mais dois anos de serviço do que eu. Não entendo o que é importante para si na Educação Física (por mim preferia quando a chamavam de...ginástica, simplesmente). Não sei o que é importante para si e por isso não posso satisfazer-lhe a vontade (apesar de não ser, de todo um Pai Natal). Coloquei um assunto em debate que, para mim claro, é importante. Longe de mim pensar que serei o dono da verdade. Agora também pode ter a certeza que falo por minha própria cabeça e pode ter a certeza que a qualidade do meu trabalho já foi suficientemente avaliada para estar descansado quanto a isso. Quando me convidaram para cá vir foi para apresentar os temas que, a mim, atenção, a mim me preocupam. Estou disposto a pensar os que o preocupam, para tal tem é que me dizer, sou professor de educação Física, não sou adivinho.

Miguel, quanto à tua questão, continuo a concordar contigo, a nossa disciplina é a que está em melhor condição para tratar o corpo, mas pode e deve, também tratar a mente, desenvolver como disseste e muito bem os “aspectos cognitivo-reflexivos” e porque tem o privilégio de não estar obrigada à ditadura dos exames, pode e deve preparar os alunos numa óptica da educação para os valores e para a saúde. O desporto presta-se perfeitamente a isso e nós temos essa obrigação. Mais, acabo de sugerir que a problemática da educação para a saúde seja tema a abordar na aula da Educação Física no ensino secundário, uma vez que as outras disciplinas, coitadas, estão espartilhadas pelos exames.

Anónimo disse...

Parabéns ao professor Amândio Graça pela forma inteligente, como é seu apanágio, com que abordou este assunto. No entanto, se me permite, penso que não foi capaz de chegar ao fulcro da questão. Essa, no meu entender, encontra-se na Autonomia das Escolas, que pode e deve permitir ao grupo de professores de EF de uma Escola adaptar o currículo da disciplina de EF à realidade da escola, dos alunos e àquilo que preconizamos como ideal para o desenvolvimento da EF. É este o sentido prático que temos que defender para “preparar os alunos numa óptica da educação para os valores e para a saúde” e “adequar ao currículo à disciplina e a disciplina aos reais interesses de formação dos alunos” e contribuir para que os alunos ganhem hábitos de exercício físico que perdurem ao longo da vida.

O colega Anónimo

Um bom Natal

«« disse...

Deixe-me discordar consigo caro Anonimo e por uma razão muito simples, essa autonomia na selecção dos conteúdos a abordar já existe, até o próprio currículo faz referencia a ela. Só que não resolve o problema. Pelo contrário faz com que os colegas se percam em discussões que mais me parecem ter a importância da chuva que choveu à cem anos (e ainda por cima foi tão fraquinha que nem deu para regar as plantas do meua avo), deixando que mais uma vez se evite discutir as questões conceptuais que a EF efectivamente ainda não resolveu...