setembro 29, 2007

A propósito da educação (física) do que é, e do que é suposto ser!

“Ex.ma Senhora Ministra da Educação:

Um dia destes colocaram, no placar da Sala dos Professores, uma lista dos nossos nomes com a nova posição na Carreira Docente.
Fiquei a saber, Sr.ª Ministra, que para além de um novo escalão que inventou, sou, ao final de quinze anos de serviço, PROFESSORA.
Sim, a minha nova categoria, professora!
Que Querida! Obrigada!
E o que é que fui até agora?
Quando, no meu quinto ano de escolaridade, comecei a ter Educação Física, escolhi o meu futuro. Queria ser aquela professora, era aquilo que eu queria fazer o resto da minha vida...
Ensinar a brincar, impor regras com jogos, fazer entender que quando vestimos o colete da mesma cor lutamos pelos mesmos objectivos, independentemente de sermos ou não amigos, ciganos, pretos, más companhias, bons ou maus alunos. Compreender que ganhar ou perder é secundário desde que nos tenhamos esforçado por dar o nosso melhor. Aplicar tudo isto na vida quotidiana...
Foi a suar que eu aprendi, tinha a certeza de que era assim que eu queria ensinar! Era nova, tinha sonhos...
O meu irmão, seis anos mais novo, fez o Mestrado e na folha de Agradecimentos da sua Tese escreve o facto de ter sido eu a encaminhá-lo para o ensino da Educação Física. Na altura fiquei orgulhosa! Agora, peço-te desculpa Mano, como me arrependo de te ter metido nisto, estou envergonhada!
Há catorze anos, enquanto, segundo a Senhora D. Lurdes Rodrigues, ainda não era professora, participava em visitas de estudo, promovia acampamentos, fazia questão de ter equipas a treinar aos fins-de-semana, entre muitas outras coisas. Os alunos respeitavam-me, os meus colegas admiravam-me, os pais consultavam-me. E eu era feliz... Saia de casa para trabalhar onde gostava, para fazer o que sempre sonhará, para ensinar como tinha aprendido!
Agora, Sr.ª Ministra, agora que sou PROFESSORA, que sou obrigada a cumprir 35 horas de trabalho, agora que não tenho tempo nem dinheiro para educar os meus filhos. Agora, porque a Senhora resolveu mudar as regras a meio (Coisa que não se faz, nem aos alunos crianças!), estou a adaptar-me, não tenho outro remédio: Entrego os meus filhos a trabalhadores revoltados na esperança que façam com eles o que eu tento fazer com os deles. Agora que me intitula professora eu não ensino a lançar ao cesto ou a rematar com precisão à baliza, não chego, sequer a vestir-lhes os coletes...
Passo aulas inteiras a tentar que formem fila ou uma roda, a ensinar que enquanto um "burro" mais velho fala os outros devem, pelo menos, nessa altura, estar calados. Passo o tempo útil de uma aula prática a mandar deitar as pastilhas elásticas fora (o que não deixa de ser prática) e a explicar-lhes que quando eu queria dizer deitar fora a pastilha não era para a cuspirem no chão do Pavilhão... E aqueles que se recusam a deita-la fora porque ainda não perdeu o sabor?
(Coitados, afinal acabaram de gastar o dinheiro no bar que fica em frente à Escola para tirarem o cheiro do cigarro que o mesmo bar lhes vendeu e nunca ninguém lhes explicou o perigo que há ao mascar uma pastilha enquanto praticam exercício físico). E os que não tomam banho? E os que roubam ou agridem os colegas no balneário?
Falta disciplinar?
Desculpe, não marco!
O aluno faz a asneira, e eu é que sou castigada? Tenho que escrever a participação ao Director de Turma, tenho que reunir depois das aulas (E quem fica com os meus filhos?). Já percebeu a burocracia a que nos obriga? Já viu o tempo que demora a dar o castigo ao aluno? No seu tempo não lhe fez bem o estalo na hora certa?
Desculpe mas não me parece!
Pois eu agradeço todos os que levei!
Mas isto é apenas um desabafo, gosto de falar, discutir, argumentar com quem está no terreno e percebe, minimamente do que se fala, o que não é, com toda a certeza, o seu caso.

Bastava-lhe uma hora com o meu 5ºC... Uma hora! E eu não precisava de ter escrito tanto! E a minha Ministra (Não votei mas deram-ma... Como a médica de família, que detesto, mas que, também, me saiu na rifa e à qual devo estar agradecida porque há quem nem médico de família tenha ‐ outro assunto) entendia porque não conseguirei trabalhar até aos 65 anos, porque é injusto o que ganho e o que congelou, porque pode sair a sexta e até a sétima versão do ECD que eu nunca fui nem serei tão boa professora como era antes de mo chamar!
Lamento profundamente a verdade!


Ana Luísa Esperança
PQND da Escola EB 2,3 Dr. Pedro Barbosa
Viana do Castelo"
in ESCOLA INFORMAÇÃO
nº25 Junho/Julho 2007
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Cara colega,
cruzei-me há dias com este seu texto, por entre conversas e revistas, em plena sala dos professores. E não podia deixar de lhe dar os parabéns por conseguir trazer para o papel este sentimento comum a tantos, tantos! Assim, permita-me, por favor, que a subscreva quando diz:

...Quando, no meu quinto ano de escolaridade, comecei a ter Educação Física, escolhi o meu futuro. Queria ser aquela professora, era aquilo que eu queria fazer o resto da minha vida...
Ensinar a brincar, impor regras com jogos, fazer entender que quando vestimos o colete da mesma cor lutamos pelos mesmos objectivos, independentemente de sermos ou não amigos, ciganos, pretos, más companhias, bons ou maus alunos. Compreender que ganhar ou perder é secundário desde que nos tenhamos esforçado por dar o nosso melhor. Aplicar tudo isto na vida quotidiana...

e que altere apenas o final da sua frase para:

Foi a suar que eu aprendi, tenho a certeza de que é assim que eu quero ensinar! Sou nova, ainda sonho!

6 comentários:

Alexandre disse...

Não conseguia ser mais claro nos sentimentos que demonstrou,..embora eu ainda seja bem mais novo e no meu inicio de carreira como docente, como eu me identifico com essas emoções e (já!!!) preocupações quanto a um futuro pouco claro e ingrato, uma vez que esta profissão deveria e deverá ser (muito mais) respeitada para o bem da nossa futura nação.

Parabens cara colega!

Anónimo disse...

"...agora que sou PROFESSORA, que sou obrigada a cumprir 35 horas de trabalho, agora que n�o tenho tempo nem dinheiro para educar os meus filhos..."

Srs professores:
Por favor n�o se esque�am que a grande maioria dos portugueses trabalha muito mais tempo e tem muito menos dinheiro, tempo livre e forma�o para auxiliar os seus filhos, do que v�s.
N�o deixem que "as vossas guerras" atinjam os filhos de todos n�s...
S� assim lutar�o pelo respeito que a vossa profiss�o deve merecer.

Susana Marques disse...

A propósito do comentário de Anónimo, só me resta dizer que tudo depende da perspectiva e das expectativas de cada um. E que, talvez já não vamos a tempo em relação a outras gerações, mas em relação às nossas crianças e jovens, talvez ainda consigamos trabalhar a capacidade/competência de nos colocarmos na perspectiva do outro.
Por mais que me tente colocar na perspectiva do autos do comentário só consigo ver alguém que não faz a minima ideia do que faz um professor, para além das horas de aulas, marcadas para estar com os alunos. E que está preocupado com o que a escola pode dar aos seus filhos. Nada egocêntrico!!!!

Anónimo disse...

"..E que está preocupado com o que a escola pode dar aos seus filhos. Nada egocêntrico!!!!"

Desculpe, mas para que serve a escola? É só o local de trabalho dos professores?
Acha que é egocentrismo preocupar-me com o que a escola pode dar, não aos meus filhos, mas aos de todos nós?

Ao contrário do que pensa, conheço perfeitamente as actividades dos professores e o que têm de fazer para além das horas de aulas... sei também que têm algum tempo livre destinado a tal trabalho.

Lembrem-se que a crise actual atinge muitos profissionais, não somente os professores...

Acho que o que muitos professores assumem e escrevem é exemplo de falta de brio profissional. Prejudicam a vossa imagem na sociedade, a vossa possibilidade de realização profissional e, mais importante, os alunos, que são a razão de ser da vossa profissão e que não têm nenhuma culpa do que vos está a acontecer.

Quem é afinal egocêntrico??

Anónimo disse...

É deveras preocupante o grito de revolta desta Professora. Só lastimo que uma voz esclarecida, se perca na confusão daqueles que só se lastimam e não se unem. Os Professores estão quanto a mim representados na sua maioria por políticos, que defendem ideologias já ultrapassadas e sem futuro e não mostram abertura nem ideias concretas para aquilo que é preciso fazer mudar; houve uma Revolução em que todos pràticamente acreditámos, mas não é para ficar tudo na mesma. E só pela Educação poderemos concretizar isso. O espectáculo que nos é impingido pelos média, ilustra bem o que quero dizer. Respeito também muito e não lhe invejo a responsabilidade da Senhora Ministra - não tem tarefa fácil, mas também quem com ela dialoga, discute o sexo dos anjos e não novas ideias, novas propostas para a função basilar da Escola do Futuro e dos seus Servidores, à luz do combóio que teima em nos fugir. Sou Pai e já sou Avô - acompanho de muito perto a vida escolar dos meus quatro netos, em fases escolares diferentes e acho que a nossa Professora tem toda a razão. Mas temos que concordar que quem governa, tem de ver amplo e de raiz. Se aqueles que deveriam fazer equipa com ela, não a sensibilizam para a forma de dar corpo aquilo que é preciso mudar, está aberta a porta para os eventuais autoritarismos, que dão origem a este e outros protestos. Mas costuma-se dizer, que em terra de cegos, quem tem um olho é rei. Não vejo também os Professores a assumirem e resolverem o problema da Escola estar muita mal servida. Houve anos a seguir ao 25 de Abril que houve muita gente que não conseguindo arranjar outras colocações, auto intitularam-se Professores, fazendo muito mal a uma instituição que á basilar da nossa vida comum.Não tinham vocação, não tiveram preparação pedagógica, não tiveram acompanhamento. Pactuaram com aqueles que os puseram lá e que, por exemplo, num só ano, mudava-se três vezes de livro numa disciplina, com textos conforme a côr política de quem estava à frente da Escola.

Portanto, com os meus 64 anos, só posso dizer a esta Senhora e a todos os Professores que estão calados, esmagados, desanimados - atenção não me estou a dirigir aqueles que não merecem ser chamados Professores - por amor de Deus, não desistam, lutem por aquilo em que acreditam, abram o precedente de com bases sólidas, com conhecimento profundo do que estão a discutir e de todas as contingências em que estamos inseridos, da nossa realidade e da responsabilidade para os jovens da Sociedade que queremos construir e proponham à Ministra - se ela não vos ouvir, então sim, acho que devíamos mudar de Ministra e, penso que não deve ser preciso, pois atè à data, não a tenho visto pactuar com o facilitismo, embora, certamente por falta de conselho avisado se tenha excedido nesta ou naquela medida.

A Senhora Professora e tantos outros anónimos são a nossa última esperança de ainda poder ter alguma Esperança de ver a última carruagem do comóio.



Bem hajam



Soares Carvalho

Anónimo disse...

Lute por o que sempre trabalho, acredita em si e no seu trabalho! Infelizmente a vida por vezes não nos dá oportinidade de trabalharmos e fazermos aquilo que mais adoramos! Sou apenas uma jovem de 18 anos que tambem quer ser prof de educação fisica, mas poar este andar vez que está tudo muito complicado
,mas não vou deixar de lutar... adorei o seu texto onde diz aquilo que sente, nota-se que adora ser o que é... Boa sorte.