outubro 05, 2007

Educação para a saúde versus educação física

A comissão nacional incumbida de acompanhar e avaliar o Projecto de Educação para a Saúde nas escolas emitiu o seu relatório final, no fim do mês de Setembro. Destaco 2 parágrafos que dizem respeito especificamente à disciplina de Educação Física:

1 - “No ensino secundário recomenda-se agora que nos 10.º, 11.º e 12.º anos sejam aproveitados os espaços lectivos de Educação Física para abordar os temas de Educação para a Saúde, tornando-se necessário mobilizar os docentes de Educação Física para esta nova actividade e dotá-los de formação específica, caso não a possuam.”

Nada de novo. Está previsto no programa e é aplicado (?!). Talvez só nós saibamos disso, pelo que a chamada de atenção vale para os menos avisados!...

É explícita, no relatório, a intenção de não efectuar esta abordagem de modo expositivo, como alguns estabelecimentos de ensino talvez pretendessem!... É que a falta de instalações justificou (em poucos casos, espero) a abordagem teórica de um bloco semanal de Educação Física!


2 - “Como a actividade Física é essencial para os nossos jovens, que mostram preocupantes padrões de sedentarismo, o GTES desde sempre considerou essencial apoiar os professores de Educação Física nas suas acções quotidianas e nos seus projectos. Neste sentido promoveu a assinatura de um protocolo entre o ME (DGIDC) e a FMH, de modo a garantir que no próximo ano lectivo, as escolas dispusessem do instrumento Fitnessgram. Deste modo, os professores poderão aferir parâmetros de saúde de todos os alunos, no que diz respeito ao peso e à condição física, sendo obtidos relatórios individuais que permitem aos estudantes e às famílias as eventuais correcções.”

Quanto ao grande negócio por trás disto… o comentário fica para outra vez!
Mas, politiquices aparte, seria bom que a formação já anunciada pela FMH não se ficasse pelo manual de instruções, mas que se preveja um compromisso de atendimento pós-venda pelo menos idêntico ao dos hipermercados, ou de uma simples mercearia.

E já agora, que se estenda às escolas que, tendo já adquirido o software (desembolsando 300 €), têm tido dificuldade em resolver, sem qualquer apoio da FMH, problemas entretanto surgidos, para além dos erros de software da versão 6.0 do mesmo programa.

Muito mais haveria a dizer, no que se refere ao apoio necessário ao trabalho dos professores de Educação Física, à articulação da aplicação da bateria de testes Fitnessgram e a avaliação em Educação Física, e até mesmo sobre os relatórios individuais.

Também acredito que a intenção do grupo de trabalho foi boa e que pode ser bem aproveitada por todos nós.

11 comentários:

NN Jardinagem disse...

com certeza isso é um grande avanço para a educação física, desde que seja utilizado de forma responsável. Gostei muito de seu post.

www.educacaofisicams.bolgspot.com

Susana Marques disse...

Ora aí está: é que a aplicação cega da bateria de testes e do software só pode dar asneira!
Desde a transposição directa dos resultados obtidos para a avaliação quantitativa na disciplina de Educação Física, aos problemas que pode gerar uma abordagem "light" dos resultdos da % massa gorda,... entre outros.

henrique santos disse...

Susana
vejo com muitas reticências que se desvie uma parte substancial das práticas da EF para aulas teóricas sobre saúde. A criação de um estilo de vida saudável que integre o hábito pela prática desportiva e da actividade física, passa muito mais pelo gosto adquirido e o hábito das práticas em si do que por uma transmissão cognitiva. Não estou a dizer que não deve haver transmissão de conhecimentos que, aliás, estão presentes nos programas de EF, mas as sugestões do GT da Ed. para a Saúde parecem-me extravasar esses conteúdos e transformar aulas de EF em aulas de Educação para a Saúde.
De resto concordo com tudo o que referes quanto ao Fitnessgram e acho que será interessante uma posterior reflexão crítica.

Susana Marques disse...

Olá, Henrique!
Concordo inteiramente.
Não fiquei com a mesma impressão na leitura do relatório do GTES. Nesse documento, cito, "sugere-se uma metodologia de trabalho não assente num modelo de aulas expositivo, mas que privilegie a metodologia de projecto através da qual os alunos desempenham um papel activo na procura permanente do saber." Os métodos activos que nós utilizamos, a experimentação sistemática , as rotinas práticas, de que se compõem as aulas de Educação Física encaixam perfeitamente nesse objectivo, penso eu.
E quando falam em "aproveitar as aulas de Educação Física", com alusões explícitas ao próprio programa, nem me passa pela cabeça que se alterem as práticas já desenvolvidas...para passar a dar aulas teóricas de Educação p/ saúde... ou para responsabilizar exclusivamente os profs de EF para a abordagem dessa temática (aliás são referidos outros intervenientes, como as Areas Curriculares Não Disciplinares, a Biologia, o Português, a Filosofia, Inglês, Sociologia, entre outros.

O exemplo que dei é verídico, infelizmente! Há estabelecimentos de ensino (?) que transformaram 90 minutos semanais práticos da EF em aulas teóricas: mas não teve nada a ver com este projecto. Penso que a falta de instalações terá sido o motivo principal.

Miguel Pinto disse...

Não deixa de ser surpreendente que ninguém do ME e responsáveis pelo programa de Educação para a Saúde aproveitem a generalização do Fitnessgram para introduzir o programa do aluno, o "Activitygram". O que pensas disto, Susana?

Susana Marques disse...

O Fitnessgram inclui a aplicação do professor, mais difundida, e a aplicação do aluno (que inclui a bateria de testes idêntica à da aplicação do professor e o Activitygram). Por questões de logística é natural começar pela primeira: não só na perspectiva do professor como fonte da informação e do conhecimento mas até para que os professores se apropriem das funcionalidades do programa. Além disso a colocação da aplicação em rede gera problemas que têm que ser resolvidos previamente, como o acesso dos alunos à base de dados do professor, a existência de rede, a própria instalação do programa que tem que ser feita pelo administrador do sistema, ... são pequenas areias a limpar para que a engrenagem funcione. Acho que o Activitygram abre uma porta essencial na Educação para a Saúde: a consciência do jovem de que é responsável pela sua própria saúde, dos efeitos que os seus actos (ou os efeitos da falta deles) poderão ter no seu padrão de vida e a motivação para a procura da informação.
Quero acreditar que é um 1º passo... mas a ausência de referências à aplicação leva-me a pensar que talvez nem a conheçam na totalidade. Cabe-nos a nós, profs de EF, implementar e dar a conhecer a quem mais interessa: aos alunos e respectivas famílias.

Alexandre disse...

Após a leitura do artigo e posteriormente os comentários correspondentes ao tema em questão, claramente me identifico com o que o Prof. Henrique Santos referiu. Sinceramente, a utilização do programa de testes Fitnessgram nas aulas de educação física não me parecem ter qualquer justificação ou até importância, uma vez que, nas próprias aulas conseguimos facilmente identificar os mais obesos, ou os alunos com maiores dificuldades, nas varias áreas em avaliação. Mas mesmo que se teste, o que fazer com os resultados? Vão alterar o planeamento das aulas para melhorarem esses aspectos ou incentivarem à prática de alguma modalidade? Se o problema é abordagem dos temas sobre a educação para a saúde, parece-me imoral ou até incompreensível, uma vez que, desde sempre os professores se preocuparam com esses temas e, não estou só a falar dos de educação física. Mais, mesmo com os resultados na mão, o que podemos nós fazer com apenas 180 minutos semanais e que desses, apenas se usufrui 150 minutos ?!?!?! A preocupação deve-se centrar em dois aspectos: uma na motivação intrínseca dos alunos para a pratica da actividade física, procurando descobrir o que lhes provoca "fome" na actividade física. A outra é o prazer que a prática lhes confere. O lado emocional confere um instrumento poderoso na inclusão de hábitos de pratica saudáveis. O prazer que se obtém com a actividade física é que lhes vai levar a iniciarem uma prática desportiva num qualquer clube ou movimento associativo, e aí sim, adquirir hábitos que se prolongarão até à idade adulta. Para finalizar, recentemente li um artigo onde conluia que com o aumento na idade escolar, a motivação ou a simples vontade de participar nas aulas de educação física diminuía,..e isto sim é que começa a ser um problema se quisermos falar na educação para a saúde!!!

Miguel Pinto disse...

“Sinceramente, a utilização do programa de testes Fitnessgram nas aulas de educação física não me parecem ter qualquer justificação ou até importância, uma vez que, nas próprias aulas conseguimos facilmente identificar os mais obesos, ou os alunos com maiores dificuldades, nas varias áreas em avaliação.”
O Fitnessgram é instrumental dentro de uma estratégia levada a cabo pelo grupo de EF para a aquisição de hábitos de actividade física desportiva.
“Mas mesmo que se teste, o que fazer com os resultados?”, perguntava um colega no comentário anterior. Os resultados podem ser usados para ridicularizar o tempo que a escola dedica à corporalidade dos alunos. Os resultados globais dos testes podem ser um auxiliar precioso para ganhar um espaço político na escola… estou a pensar, por exemplo, no reforço da carga horária da EF no 3º ciclo usando os 45 minutos de gestão local.
“li um artigo onde conluia que com o aumento na idade escolar, a motivação ou a simples vontade de participar nas aulas de educação física diminuía,..e isto sim é que começa a ser um problema se quisermos falar na educação para a saúde!!!”
Esse decréscimo de vontade de participar nas aulas de EF não decorre da diminuição da importância do jogo na estruturação psicossomática do jovem?

«« disse...

O que acho excessivo é reduzir o contributo da EF para educação para a saúde dos alunos ao fitnessgram, aos resultados deles e à utilização dos softwares a ele associado. Acho que os testes são indicadores, acho que em dois blocos de 90 minutos pode-se fazer mais do que se diz, começando por exigir, face aos resultados que não seja duas vezes noventa minutos mas duas vezes 45 mais uma de noventa, dando a possibilidade dos alunos terem actividade física três vezes por semana (ou quiçá quatro). A EF como disciplina diferente que utiliza o desporto como ferramenta para o desenvolvimento integral do aluno, pode e deve fazer mais do que criar hábitos de actividade física para a vida. Pode, por exemplo ajudar a diminuir os tempos de inactividade, mostrando outros caminhos, fazendo por exemplo o ponto com a natureza através das actividades de exploração da natureza (encontrando aqui uma ramo enorme de transversalidades com outras disciplinas, ajudando os alunos a entende-las melhor).

Eu faço os testes e os resultados servem de tema de debate na turma que nos leva para conversas transversais ao tema mas que têm muito a ver com a aptidão física associada à saúde mas não só. Parto deles e dou educação para a saúde, educação para os valores, tentando um desenvolvimento integral dos meus alunos com a ajuda dos testes e do desporto, uma arma poderosíssima que não abdico….

Alexandre disse...

“A EF como disciplina diferente que utiliza o desporto como ferramenta para o desenvolvimento integral do aluno, pode e deve fazer mais do que criar hábitos de actividade física para a vida.” A partir do 2º ciclo diga me como consegue criar um desenvolvimento integral ? Aos olhos dos programas para cada ciclo, encontro pouquíssimo espaço para o desenvolvimento integral (diga-se, motor, cognitivo, afectivo, social e fisiológico) referindo me claramente à estimulação cognitiva.
Segundo, tem muita sorte em ter dois blocos de 90 minutos, eu apenas na única experiência que tive (no meu estágio) tinha um de 90 e outro de 45 minutos. Provavelmente não seria mau de todo ter 4 blocos semanais de 45 minutos,..pelo menos incutiriam uma maior tendência à prática corporal. Não sei era se seria funcional.
“O Fitnessgram é instrumental dentro de uma estratégia levada a cabo pelo grupo de EF para a aquisição de hábitos de actividade física desportiva.” Segundo um estudo efectuado pela UTAD o que mais desagrada aos alunas da/na aula de EF, em primeiro lugar, os desportos individuais. Parece me que os testes do fitness encaixam bem nas actividades que eles não apreciam mais!!!
“Esse decréscimo de vontade de participar nas aulas de EF não decorre da diminuição da importância do jogo na estruturação psicossomática do jovem?” Parece-me demasiado subjectivo,..especifique me aonde quer chegar com o binómio corpo mente?
“Os resultados globais dos testes podem ser um auxiliar precioso para ganhar um espaço político na escola… estou a pensar, por exemplo, no reforço da carga horária da EF no 3º ciclo usando os 45 minutos de gestão local.” Eu não me iludia com isso,..o ME já mostrou claramente qual era o sentido que quer tomar,..poupar e mais poupar e mais poupar, em vez de investir, gerir melhor os seus recursos, e deixar ouvir quem realmente trabalha na escola, em vez de um gabinete!
Por último, não sou contra os testes do fitness mas porquê que quando se fala no desenvolvimento integral do aluno, se avalia o aspecto comportamental e fisiológico, e então, a afectividade, a estimulação cognitiva e os relacionamentos interpessoais? Por isso é que não aceito bem estes tipos de testes,..parecem-me descontextualizados da realidade escolar. Que opinião tem sobre isso? Como professor com uma experiência já longa deve ter maior sensibilidade para essas questões. Gostaria de ler sobre o que pensa nestas matérias que tanto me interessam e fascinam (a tal motivação intrínseca) e me fazem procurar saber sempre mais. Continuo a comentar sobre o mesmo assunto no último tópico exposto no blog.

Anónimo disse...

Ainda neste assunto, gostava de saber também a vossa opinião sobre a obrigatoriedade das escolas, no caso de assinarem o protocolo com o ME para a aquisição gratuita do FitnessGram, em terem de enviar os dados recolhidos junto das suas turmas?