outubro 18, 2007

É assim, tem sido assim e vai continuar a ser assim. A identidade da educação física como disciplina escolar revolve em torno de tradições, que poderão ser aparentadas, mas que são diversas na alma, isto é, naquilo que as anima. Por isso cada uma puxa daqui e empurra dacolá, tentando ganhar mais espaço e visibilidade no currículo. Daí não virá o mal ao mundo. Todos queremos ter direito ao nosso lugar e a ter voz e a imprimir a nossa marca. Porém, neste jogo do puxa e do empurra, os que querem vir para a frente, às vezes, dão a impressão de que querem tapar à vista aos outros. Assim já o mundo pode ficar um pouco desconcertado.

A saúde é um tema omnipresente na educação física, mas geralmente tratada como pano de fundo, como dado adquirido, ou seja como tema não especificamente tematizado. Ciclicamente a tradição médico-higienicista ganha relevo junto dos responsáveis pelo currículo e consegue colocar a saúde, a avaliação da condição física, na linha da frente. É o que está acontecer actualmente entre nós. Desta vez, puseram as escolas a adquirir e aplicar o fitnessgram, com todo o arsenal ideológico e a carga simbólica que isso arrasta para dentro do currículo.
Há uma linha individualista que hiperboliza os cuidados que as pessoas devem ter com a sua saúde, ao ponto de os transformar em culpa. Os gordos são culpados por serem gordos, os com baixos níveis de aptidão são culpados dos seus fracos índices de aptidão, os doentes são culpados pela sua doença. Depois há os que não fazem nada por serem magros e são magros, que não se esforçam nada e têm níveis elevados de aptidão e os que não têm cuidado nenhum com a saúde e são saudáveis. À culpa alia-se a inveja, a frustração da má sorte e a alienação.
Esta linha individualista não é causada obrigatória pelo fitnessgram, apenas pela ideologia de pomada milagrosa que a envolve. O fitnessgram, como outras ferramentas, pode ser auxiliar didáctico importante numa educação para a saúde emancipadora dos alunos, se se libertar da canga culpabilizadora, se conseguir destrinçar responsabilidade de culpabilidade.
A saúde é um bom tema para a educação física, mas devemos evitar cair na tentação de ser hegemonizados por ela. As outras tradições também são válidas e foram elas que cunharam a educação física de conteúdo educativo. A nossa capacidade de compreensão e actuação no mundo requer mais que atenção à saúde e conhecimento e competência nas disciplinas intelectuais.
Esta visão holística da educação está a dar sinais de degradação em várias partes do mundo, acossada que está por visões e políticas utilitaristas ditadas pelas "necessidades" da economia e do consumo.

Amândio Graça

6 comentários:

karadas disse...

Faz algum sentido que os resultados obtidos na bateria de testes do Fitnessgramm tenham um peso na avaliação dos alunos, quando se sabe que estes mesmos resultados pouca ou nada têm a ver com o trabalho desenvolvido nas aulas?

Miguel Pinto disse...

No fitnessgram, as crianças não são comparadas com outras, mas consigo próprias. São encorajadas a melhorar os seus níveis de aptidão e a ser fisicamente activos.

Faz algum sentido que os resultados obtidos nos testes escritos realizados nas várias disciplinas escolares usem a filosofia do fitnessgram? Faz algum sentido que os resultados obtidos nos testes encorajem as crianças e jovens a melhorar as suas aptidões cognitivas e sociais?

karadas disse...

Não são os resultados do Fitnessgram que vão motivar os alunos a melhorar os seus níveis de aptidão e a praticar exercício físico regularmente. Por muito boa vontade que tenha estou em crer que nem o Miguel acredita nisso.
De qualquer forma não é isso que está aqui em discussão. O que está em causa é a justeza de os resultados desta bateria de testes influenciarem a avaliação final dos alunos o que me parece de todo incorrecto pela razão apontada no primeiro comentário.

Susana Marques disse...

No manual do Fitnessgram é explicitamente declarado que os resultados da aplicação da bateria de testes não devem ser tidos em linha de conta para a avaliação dos alunos!
E nos programas de Educação Física, embora a aptidão física seja um item a avaliar, não é explicita a necessitade de o fazer através dos dados quantitativos... até porque todos sabemos a (ausência de)fiabilidade que tais dados têm nas fases de crescimento/desenvolvimento dos nossos alunos, e que não são o fruto do nosso trabalho nas aulas... e que para efectuarmos registos fidedignos teríamos que dispender n aulas com esses testes...
Ou, nas restantes áreas abordadas a avaliação é circunscrita aos dados quantitativos? É o número de golos marcados que dita as notas dos alunos? Ou são critérios qualitativos, relacionados com a qualidade da execução, com a aplicação da informação transmitida?
Não me parece contraditório!

Relativamente ao entrar em cena da saúde na nossa área... nos tempos que correm, é uma abordagem que se impõe... embora não possa ser a única e tenha que se revestir de todos os cuidados para que o discurso culpabilizante não provoque mais danos do que a ausência de informação!

Miguel Pinto disse...

Karadas
Se observar atentamente o meu comentário verá que não evitei a questão central. Disse, claramente, que o fitnessgram rejeita a avaliação normativa. Mas procurei ir mais longe ao deixar uma ponta para a adopção desta filosofia por outras áreas disciplinares. Pelo que me é dado observar não encontro muitos adeptos na escola da avaliação criterial. Porque será?

Alexandre disse...

Continua-se a falar da importância ou não dos testes do fitness, a sua utilização ou não na avaliação dos alunos,..mas já pensaram o que realmente estes testes avaliam???? Alguns comportamentos motores e a condição física. Se tanto proclamamos a defesa do desenvolvimento integral do aluno, aonde pára a estimulação cognitiva, afectividade e o relacionamentos interpessoais? Não avaliamos essas componentes? Será que não são tão importantes como as que testamos no fitness, para uma educação e promoção da saúde? Como já referi num dos meus comentários anteriores, parecem me testes descontextualizados da realidade escolar, ou pelos, da necessidade escolar.
Em segundo, estas medidas de implementação (ou suposta implementação) de hábitos e saberes promocionais de educação para a saúde, assemelham-se às típicas políticas de governo, nunca vão à raiz do problema! Eu explico. Esta educação para a saúde tem de ser valorizada logo no início das experiências educativas/motoras das crianças. Actualmente actividade física na primária aparece-nos como um óptimo local para começarmos a incutir hábitos de promoção da saúde,..mas como? Já a declaração dos direitos da criança defendia que “è através do brincar que a criança se relaciona e interage no mundo.” Uma das formas para promover um desenvolvimento saudável será com a criação de espaços onde as crianças possam explorar o ambiente, através das suas brincadeiras e da interacção com os outros. Espaço já temos, pré primaria e primaria em quase todo país. Como diz Joana Antão e Francisco Pimentel “o brincar permite à criança explorar a imaginação sem sentir limitações na sua capacidade de criar, desenvolvendo assim a sua expressividade e criatividade.” No entanto, é necessário dar à criança o papel principal no seu desenvolvimento, na promoção da sua própria saúde. Mas analisando o programa do 1º ciclo de actividade física desportiva, em conjunto com alguns dos manuais mais utilizados pelos professores, levam a um tipo de aulas do método expositivo e unidireccional (numa grande parte dos blocos temáticos) induzindo uma imagem redutora das possibilidades da EF. Aonde ficam aquisição das competências pessoais e interpessoais, a afectividade, se só continuamos a dar privilégio aos comportamentos motores e muitas vezes fisiológico. Exemplo: Saltar 10 vezes à corda a pé juntos ou indica me 10 formas de saltar à corda? São duas coisas diferentes. Outro exemplo: Levar os alunos para um espaço natural (campo ou bosque) e pedir a eles que: realizem umas caçadinhas, uma corrida continua pelo espaço, jogo das escondidas ou se pelo contrário lhes disser, tendo em conta o espaço, número de alunos e material disponível, elaborem 3 exercícios para a aula? E, a partir destes pressupostos, criar saberes que possibilitará um crescimento da criança, em todas as suas vertentes (e não só algumas), passíveis de estimular comportamentos saudáveis, com base num conhecimento próprio, entendendo a necessidade da prática desportiva, como pratica-la e com que a praticar. Será que estou a pensar da forma errada?