outubro 29, 2007

A qualidade (do ensino) - Um conceito polissémico?

As grelhas de avaliação do desempenho docente estão aí já ao virar da esquina. A ideia é avaliar a qualidade das aulas. Avaliador e avaliado serão confrontados com a falta de critérios apropriados para a avaliação da qualidade do ensino.
Recorro a um exemplo clássico, rebuscado num texto do professor Jorge Bento escrito em 1987, para evidenciar a falta de unanimidade e até alguma confusão que reina em torno deste assunto:
“Imaginemos que dois professores tinham combinado analisar reciprocamente (um ao outro) as aulas e que um deles entende a Educação Física predominantemente como treino da condição física, enquanto o outro concebe a sua incumbência específica como "entretenimento, divertimento dos alunos". (Seja-me permitida esta simplificação, que não deturpação!)

Pode esperar-se, desde logo, uma tremenda confusão.

O professor "entretidor" será talvez de opinião que a aula do seu colega não resultou grande coisa ("foi mesmo uma droga" — dirá ele no seu íntimo), pois notou falta de "prazer".

O professor "treinador da condição física" não entenderá, de modo nenhum, aquele parecer. Então o seu colega não viu quão elevada foi a intensidade do esforço corporal?! Os alunos, empenhando-se, trabalhando e suando "a valer", apresentaram uma prova viva da qualidade da aula!

Sem dificuldade poderiam ser construídos ainda mais casos de perspectivas contrárias acerca da qualidade de uma aula de Educação Física. Todos confirmariam que o conceito da essência da disciplina é de significado primordial para a análise do ensino. Ele determina a que aspectos se presta atenção na análise e quais os critérios de base.

Isto é válido mesmo que se parta do princípio de que alguns professores têm, frequentemente, dificuldade em exprimir clara e consistentemente o seu conceito acerca daquilo que é (ou deve ser!) a Educação Física.

O professor - "treinador da condição física" — tem o seu critério num conceito biologista, mesmo que o não refira desta forma e que esta referência não se apresente nítida diante dos seus olhos. Para ele o cerne da educação física não reside no ensino e aprendizagem, mas sim na aplicação de estímulos de treino, fisiologicamente eficazes.

O professor — "entretidor" — apoiar-se-á talvez numa concepção "funcionalista" da formação e na acentuação do significado momentâneo da vivência da situação desportivo-motora. Pode ser também que ele interiorize facilmente certos padrões dos seus alunos ("Em educação física trata-se de prazer, não tem nada a ver com aprendizagem"!) - um círculo vicioso de difícil saída.

Aquilo que moverá fortemente ainda um professor "domador" podemos talvez interpretá-lo como algo que se apoia expressamente em princípios teóricos do comportamento, como algo que interpreta o ensino como um acto de imposição e de mera influência exterior. Poder-se-á tratar também de relíquias do seu tempo de formação, de um seguidor inconsciente das normas dos seus formadores e examinadores.

Não é preciso salientar mais que aquele que pretende ocupar-se seriamente com a análise/avaliação do seu ensino, não pode deixar de ter uma concepção clara da respectiva disciplina. Sem esta clareza não são possíveis decisões ponderadas e reflectidas, sobre o "o quê" e o "como" da análise e avaliação do ensino.”
Será isto que nos espera, caros colegas?

5 comentários:

Maria Lisboa disse...

Fora do assunto:

http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.dgidc.min-edu.pt/

São estes "pequenos pormenores" que me deixam sempre com a pulga atrás da orelha, relativamente a determinadas "intenções".

O fitnessgram já tinha sido vendido às diversas escolas, ao preço de 60000 escudos, na altura. Como não teve procura suficiente, devido ao preço, foi renegociado e vendido (literalmente) à autarquia à CMOeiras, que distribuiu pelas escolas do concelho (num programa DOS que já não existia na maioria dos computadores). Agora, parece ter sido novamente revendido, desta vez ao DE, via ME. O programa Pessoa, penso eu baseado no programa peso, ao que me consta, ainda está a ser trabalhado.

E lá vai mais uma festa para propagandear uma preocupação, que não terá seguimento e da qual culparão mais tarde os professores pela falta de resultados.

PS: já agora, na reunião de coordenadores do DE que tive, também englobam os TEIP como um projecto do DE.

Susana Marques disse...

A Educação Física tem um contexto bem diferente das restantes disciplinas, relativamente às quais as exigências impostas pela avaliação externa não deixam grande margem de manobra para cada um ter uma opinião e uma intervençaõ própria sobre o âmbito de intervenção da respectiva disciplina, formas de abordagem, etc.

Ainda assim também nas outras disciplinas existem tipos de professores diferentes: mais "directivos" ou mais "democráticos", mais "sumíticos" nas avaliações ou mais "generosos", ...

Na EF tivemos ainda até há pouco tempo, no secundário, o calcanhar de Aquiles da avaliação não ter efeito na média dos alunos, o que deixava à sua consideração o investimento de um maior ou menor empenho nas tarefas da aula e mais ainda relativamente a outras tarefas extra-aula!

Para mais, convivemos com uma iliteracia camuflada: os programas já têm anos e anos e há muita gente que nem os leu, pois não há necessidade de os ter em conta (já não digo cumprir, pois seria uma apenas uma figura de estilo)... e o mesmo se aplica a toda a documentação que vai saindo e não é controlada a sua aplicação.

Ninguém lê nada e toda a gente tem uma ideia... a sua ideia e a sua prática!...

Faz-nos falta dedicar algum tempo à discussão, sem pretensiosismos, nem medo de nos expormos... o que não vai ser fácil com a avaliação que se aproxima.

Eu quero crer que vai haver bom senso, que as escolas se vão organizar para promover uma avaliação, no mínimo, o menos injusta possível.

Temos que começar por algum lado, mas é importante circunscrever os critérios de avaliação a coisas avaliáveis de uma forma objectiva, ou o menos subjectiva possível.

MFeliz disse...

Mesmo com entendimentos diferentes, defendo que os programas Suana devem ser cumpridos. Julgo que um dos problemas da nossa disciplina reside aqui.Não esqueçamos que há quem faça o que muito bem entende sem que ninguém diga nada!!! Eu debato-me, na minha escola, por esta exigência. Nada de confusões. O cumprimento dos programas em nada colide com diferentes perspectivas da disciplina.Será que estou errada?

MFeliz disse...

No que respeita à avaliação, até parece qie se trata de uma novidade!!! Não esta uma prática trivial em qualquer processo? Penso que a única preocupação deverá ser a "categoria" do avaliador. A avaliação permite-nos progredir. Não é isso que todos devemos desejar? Aguardemos tranquilamente!!!!!!!!!!!

Susana Marques disse...

Concordo plenamente com o princípio. Mas os programas tal como estão elaborados permitem tudo, em termos de níveis de aprendizagem: quando é suposto partir do nível avançado em várias modalidades e os alunos estão no nível introdutório (ex: ginástica, mas tb em muitas outras modalidades...) não há como cumprir. Claro que as abordagens devem ser efectuadas, de acordo com o quadro curricular, mas no terreno acho que é preciso maior sintonia quanto ao que é leccionado em termos específicos. Também me bato por isso e tenho o apoio do grupo de EF.